A TRISTEZA DO BERÇO VAZIO: SOBRE A DOR DE PERDER UMA GRAVIDEZ




Estranho um homem escrever um texto sobre a dor de perder uma gravidez, não é mesmo?
Pelo menos para mim pareceu um pouco estranho.
Mas o escritor não pode se dar ao luxo de somente escrever aquilo que acontece consigo mesmo, mas também aquilo que ele observa acontecer ao redor de si, no mundo daqueles que o cercam.
Além dessa breve justificativa, lembro que um psicanalista tem que estar atento à subjetividade dos fatos e dos meios em que vive, caso contrário, pagará um alto preço em sua prática clínica, por não conseguir compreender os fenômenos que o cercam e que se manifestam na vida dos seus pacientes.
Perder um filho que ainda não nasceu, ou ter a dor de sabê-lo com algum tipo de má formação é uma dor que dificilmente consegue ser descrita, podendo afetar profundamente a vida da ex-futura mãe e, também, do ex-futuro pai.
De uma forma mais intensa, a mulher grávida sofre com a impossibilidade orgânica de manter a gravidez como desejaria, uma vez que o produto desta gravidez não viverá ou não é perfeitamente formado. Isso mexe de forma cruel com o narcisismo dos pais, que se perguntam: “O que fiz de errado para merecer tal sorte?”; “Por que Deus está me castigando?”; “Qual a razão disso acontecer justo comigo?”.
Além das explicações teológicas /religiosas que não conseguem verdadeiramente aplacar de todo essa dor, fica um vazio. Esse é o vazio da ausência, uma ausência que é sentida sem que pudesse ter havido uma presença. É o vazio de esperanças que não se concretizaram e de sonhos que foram negados pelos acontecimentos inevitáveis da vida.
Nessas horas, a dor é tamanha, que não há muito que dizer a quem está sofrendo. Faltam palavras... Mas algo ainda pode ser feito. Sim, algo humano ainda pode servir como um supremo consolo. Isso que pode ser feito é a escuta.
Escutar alguém em sofrimento é um exercício de abnegação constante. Somos egocentristas, queremos falar e fazer que o nosso discurso seja ouvido e entendido. Faz parte de nossas fantasias infantis querermos ser o centro das atenções. É comum que nesse quadro de dor pela perda de uma gravidez todos se adiantem em falar mais do mesmo, dizendo: “Não fique assim, Deus sabe o que faz!”; “O bebezinho agora virou um anjinho”; “Deus vai te dar o seu consolo!”; “Não fique pensando nisso, pois assim você poderá ter uma depressão”; “Você precisa reagir e deixar de pensar nisso”.
Em minha pratica clínica, o que ouço dos pacientes quanto a essas informações é que se eles pudessem responderiam a todas essas frases com um bom palavrão, o que talvez fosse muito positivo, pois haveria uma catarse, uma manifestação legítima do sentimento, da raiva de perder seus sonhos e esperanças.
O que essas pessoas mais necessitam nessa hora não é de palavras de consolação e sim de vivenciarem o luto, esgotando todos os sentimentos amargos falando e sendo ouvida. O que necessita é expressar sua dor através da fala que pode curar. Elas precisam desesperadamente ser ouvidas e não ouvir.
 Uma vez entendido esse processo tão salutar de escuta, podemos dedicar alguns minutos para nos abandonar a escuta dessas mães.
Difícil dizer o que elas sentem, mas tentem em um esforço de pensamento comparar essa dor, a dor causada por um caco de vidro raspando a pele até que esta fique em carne viva! Essa foi a melhor comparação que já ouvi de uma mãe enlutada pela perda de sua gravidez.
Escutá-las nesse momento, estar ao lado para ouvi-las, pode remeter a ideia de que não estão ao abandono e, de certa forma, fazer com que o vazio se torne um pouco menos vazio.
Uma escuta profissional pode ser necessária no caso em que o luto se prolongue por um tempo muito longo, ou caso esse luto venha a paralisar a vida dessa mulher e talvez do próprio casal.
Poucos compreendem o sofrimento e a dor na atualidade, pois vivemos a era do ser feliz a qualquer custo, mas é necessário entender que as dores são inevitáveis na vida dos seres humanos. O importante não é o sofrimento nem as dores mas sim o que vamos fazer disso. Aprender que se pode dar um sentido diferente ao sofrimento é libertador, o que também pode auxiliar a permitir que essas mulheres se manifestem vivenciando suas dores e sendo acolhidas para falarem o quanto quiserem, numa aposta de que somente falando conseguimos amenizar o sofrimento. Isso é um direito inalienável e deve ser respeitado.
Encarar o sofrimento e as dores dessa forma e consentir que essas mulheres façam uso delas, como dizia Rubem Alves, possibilita que “ostras produzam pérolas com seus sofrimentos” (Livro: Ostra Feliz Não Faz Pérola).

Autor:
Charles José da Silva – Psicólogo Clínico e Psicanalista – CRP: 05/47.134
Psicólogo Clínico formado pela Universidade Severino Sombra;
Psicanalista com formação clínica pelo Corpo Freudiano Escola de Psicanálise – Núcleo de Barra Mansa;
Especialista em Teoria e Clínica Psicanalítica pela Universidade Veiga de Almeida;
Palestrante das áreas da educação, saúde, sexualidade e psicologia;
Sócio e Proprietário da Clínica Vida Plena, especializada em atendimentos psicológicos, psicanalíticos e psicopedagógicos, situada na Rua Durval Cúrzio, Bairro de Fátima, cidade de Valença / RJ.

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