A MENINA QUE NÃO PARAVA DE CORRER...
Gosto de escrever. Escrever sobre coisas do
coração, sobre sentimentos que me fazem lembrar da infância, de meus irmãos, de
nossos pais, tios e tias, e hoje, das horas passadas com os filhos e
netas, sobrinhos e sobrinhos-netos.
Ao escrever deixo lembranças que se perderiam ao
longo do tempo.
Família! Que bênção especial em minha vida!
Em frente ao computador digito, e viajo ,
imaginando vidas e situações que poderiam ser verdadeiras! Mas, agora, relembro
meus nove anos de idade...
Sentada no carro, cabeça baixa, respiração mais
rápida do que o normal, de vez em quando olhava pela janela do carro, me
perguntando como seria a nova escola. Minhas mãos estavam frias, a ansiedade
tomava conta de mim. Novamente estudaria em um colégio de freiras. Não tinha
certeza de que as coisas dariam certo dessa vez. Eu possuía o "bicho
carpinteiro", como se dizia.
Irrequieta ao extremo, curiosa, sempre
procurando o "que fazer"!
Devido aos últimos acontecimentos (minhas
travessuras), mamãe fora chamada para uma conversa no colégio, antes da hora
habitual. As irmãs a conheciam de perto porque fora aluna daquela nobre
instituição.
Do lado de fora da sala da irmã diretora, não pude
ouvir o que falavam, mas não parecia coisa boa! De volta para casa, mamãe
estava soturna e seu rosto denunciava tempestade à vista!
Pensava eu: - Por que as pessoas eram tão
impacientes comigo? Por que eram tão quietas? Tristes? A vida era tão
interessante! Coisas maravilhosas aconteciam a todo instante!
Diariamente ao acordar, já animada, abria a janela
do quarto, olhava para aquele céu azul, cor de anil, respirava fundo e me
preparava para novas aventuras, e isso dependia do tempo.
No verão, íamos para a praia. Ainda bem
pequena, usava um maiô de lã vermelho com babadinhos brancos. Guardo fotos com
ele. Colocava no "baldinho" de plástico, pás e forminhas para brincar
na beira do mar. No inverno, nosso divertimento consistia em passar as manhãs
nas diversas praças, do bairro, ou fora dele. Em primeiro lugar, escolhíamos a
praça da vez: do Lido, da Paz, ou do Leblon, sem esquecer do Jardim Botânico;
depois, arrumávamos nossos pertences, isto é, os brinquedos que iríamos levar,
e algum lanche.
Nossa família, na época, consistia de vovó, papai,
mamãe, meu irmão e eu, a mais velha. A diferença de idade era de um ano. Mais
tarde, seríamos em cinco irmãos: dois meninos e três meninas, e minha mãe.
Nosso pai faleceu muito cedo, cedo demais para nós! Que falta ele nos fez! Vovó
"viajou" antes dele.
À noite, meu pai entrando em casa, percebeu que os
ares estavam pesados.
- O que houve? Quis saber. Novidades na escola? O
que ela fez desta vez? Acho essas irmãs muito rígidas, tudo é motivo para
problemas.
Papai sabia que se tratava de mim, porque meu irmão
era mais comportado, quase não recebiam queixas sobre ele. Mas, comigo não!
Ela relatou o acontecido:
- Nossa filha, levantou o véu da madre Luzia, e
depois foi achada andando na clausura! Logo lá, onde elas dormem!
Então, me defendi: - Mas, mãe, eu queria ver se a
madre era careca!
- E, quanto ao dormitório delas? O que você foi
fazer lá?
- O colégio tem muitas escadas, andares, fui
subindo, subindo, e vi um lugar com lençóis brancos dividindo espaços. Era um
lugar muito calmo, limpo, o piso brilhante, um perfume me fez chegar mais
perto, e olhar as camas...
Mais tarde, ouvi meus pais conversarem sobre meu
novo destino, o que fora recomendado pelo colégio, para que eu fosse melhor
trabalhada, isto é, domada!
Naquela manhã, papai dirigia devagar. Acho que
dentro do seu coração não desejava que sua filha estudasse num colégio interno.
Sim, era para lá que me levavam! Eu ficaria longe de casa por seis dias, todas
as semanas!
Não usava uniforme, não levava material, pois todas
as coisas de que precisaria já estavam lá, me aguardando: minha nova cama, meu
novo travesseiro, uniformes, novas colegas, professoras, material escolar.
Minha mente não conseguia imaginar como seria o colégio, o que aconteceria nos
próximos dias, afastada da família, de meus brinquedos...
Após longo silêncio, papai disse: - Chegamos.
Eu nem percebera o tempo passar, só reparei que
nosso carro subia uma estrada margeada por muitas árvores, que a temperatura
estava mais baixa, e meus braços arrepiavam pelo frescor do lugar. Sim, esse
era um ambiente conhecido por mim, o verde das matas, o cantar dos pássaros, o
sussurrar dos ventos...
Amava passar férias em Teresópolis, na casa de
minha tia, onde podia à vontade correr, andar pelas matas, procurando novos
bichinhos, tomando água da fonte, balançando em cipós, e principalmente,
brincando com o cachorro do vizinho, com o qual nos divertíamos muito.
Passamos pelo portão, e papai estacionou em frente
ao prédio. Desci do carro, comecei a examinar o local.
- Que lindo, parece o paraíso! Vou gostar daqui!
A fachada era imponente! Degraus dispostos em meia
lua chegavam a uma cobertura com pilastras, que protegiam a porta principal,
tão alta, que para mim um gigante poderia ali entrar. A minha volta
majestosas árvores se erguiam, e um alto muro de paralelepípedos coberto de
musgos e samambaias exibiam viçosa harmonia. Um deleite para meu espírito!
Subimos as escadas, mamãe tocou a campainha. O
silêncio reinava. Meu coração disparou, pude senti-lo, quase ouvi-lo. Logo,
ouvimos passos, e a porta foi aberta. Naquele momento, tive vontade de sair
correndo, de voltar para casa, de me esconder debaixo da cama, o pavor tomou
conta de mim!
- Bom dia, disse a irmã. Sejam bem-vindos! Então,
esta é sua filha... Vamos, entrem, vamos nos conhecer melhor. Que lindo dia,
não?
Segui meus pais, que já conversavam entretidamente
com nossa recepcionista.
Com os olhos arregalados, observava todos os
detalhes ao meu redor: escadas, portas, vitrais, o piso, lindos vasos com
plantas bem cuidadas, santas, santos e o grande crucifixo entalhado de forma
majestosa! Não deixei de perceber o perfume delicado da limpeza que habitava
aquele lugar. Um cheirinho diferente que no momento não identifiquei. Mais
impressionada ainda fiquei ao chegar ao fim do saguão onde meus pais e a irmã,
conversavam. Quase corri, mas me contive um pouco, sabendo que poderia ser
chamada à atenção, e pé a pé, contemplei diante de mim, um cenário esplêndido
só visto em filmes.
O colégio era deslumbrante, imenso! Seis andares,
longos corredores, portas e mais portas, que davam para um imenso pátio, em
cuja paisagem vibravam grandes árvores, um pequeno córrego, uma casa estilo
colonial. Algumas irmãs de braços cruzados por baixo de seus hábitos, de cabeça
baixa, caminhavam para um mesmo local, no andar térreo. Sim, pensei, elas
estão rezando. Para onde estarão indo? O que irão fazer? Elas são carecas? Onde
será que dormem? Tenho muitas coisas para fazer! Sei que água de rio é fria,
muito fria. Poderei nadar lá?
Repentinamente, fui retirada de minha fértil
imaginação, ao ser requisitada a tomar conhecimento das normas de minha recente
e linda residência ! Porém, ao visualizar os rostos dos adultos, percebi
que a realidade era outra! Seus semblantes bem sérios, circunspectos me
trouxeram à realidade. Estiquei o pescoço olhando para cima naquele momento, e
me senti minúscula, indefesa e preocupada com o que passaria a ouvir.
Sentamos os quatro em banquinhos de madeira bem
trabalhados, forrados nos assentos, mas não confortáveis, talvez porque nossa
conversa seria bem objetiva, rápida...
Recebi algumas instruções sobre bom comportamento,
aliás, a irmã e acho que todas as outras irmãs, já deviam me conhecer bem...
Elas tiveram acesso ao meu extenso histórico de traquinagens, aventuras e certa
rebeldia, para tranqüilidade e bom andamento da vida diária daquele
respeitado educandário.
Bom, eu não podia correr pelos corredores, deveria
falar baixo nas dependências do colégio, salas de aula, refeitório, sem
conversas nas horas em que se fizessem as filas, nos direcionando para locais
de aula, refeitório, capela, etc. Cama arrumada antes de descer para as
atividades do dia, era outra tarefa a ser realizada por mim; depois da oração
da noite, deitar e não se levantar mais, a não ser quando fosse extremamente
necessário... Não conversar com as companheiras de dormitório após apagarem-se
as luzes... Ficar sem conversar? Difícil, hein?...
Meus pais ficaram quietos me olhando, e vez por
outra, olhavam para a irmã, e hoje, creio que eles estavam com pena delas! Quem
conteria aquele furacão?
Lá estava eu, quieta, digerindo todas aquelas
informações, e me sentindo acuada, sim, naquele momento...
Então, vieram as despedidas, recomendações de que
me comportasse bem, e que no domingo próximo, eles estariam de volta para me
pegar às oito horas da manhã. Por instantes, fiquei parada olhando meus pais se
distanciarem, enquanto a irmã os levava até a porta dizendo que haviam feito a
melhor escolha, para mim.
Poderia ser um filme de terror, não é? Porta
fechada, a irmã virou-se, caminhou até onde eu estava, petrificada,
olhando fundo nos meus olhos. Um arrepio profundo passou por minha espinha, e
ela segurando minha mão, disse:
- Agora, vamos ver suas roupas!
Puxa que alívio! Não foi tão ruim assim!
Entrando numa pequena sala, pediu que sentasse e
aguardasse um pouco. Examinei o local, e em seguida, trouxe vários pares de
sapatos, os quais fui experimentando. Um desses pares ficou meio largo, o
outro, bem apertado, e compulsoriamente, fiquei com o apertado.
- Não se preocupe, dentro de poucos dias o
couro amaciará e não apertará mais seus pés! Disse, ela. Jesus Cristo
sofreu muito mais por todos nós.
Realmente, em menos de uma semana gemi de dor, mas
cada dia reclamava menos. Por fim, ele estava perfeito nos pés, e eu, sempre
que podia estava correndo de um lado para outro. Dali em diante, só pedia
sapatos novos quando eles quase desmanchavam! E correr, era a ação que mais me
fazia feliz! Correr em terra, porque na praia, era nadar!
Não podia imaginar como aquele lugar transformaria
minha vida de forma tão profunda e maravilhosa! Foi um tempo marcado por
sonhos, realizações, conhecimentos e despertamentos, não só interiores, mas
também, por experiências que tive ao lado de pessoas especiais,
educadoras amorosas, e às vezes, nem tão gentis, mas que me proporcionaram um
modo de viver de bons hábitos, sendo orientada nos ensinamentos de
cristãos.
Levada ao dormitório, troquei de roupa colocando o
novo uniforme cheiroso, bem passado e super limpo, já que fora comprado para
mim. Meias brancas, calcinhas brancas de popeline e rendinhas na perna, blusa
branca e vestido listrado de branco e azul. Não é que eu parecia uma boneca!
Pena não ter fotos dessa nova pessoa introduzida em um ambiente de horários
fixos, normas, orações, missas quase diárias, aulas, estudos acompanhados
diariamente, e para minha surpresa, um coral de meninas. Além desses
compromissos, era responsável pela arrumação e limpeza de minha mesinha de
cabeceira, sapatos (engraxar), cama (esticando bem o lençol), mesa de estudo e
por minha higiene pessoal.
De início, não foi fácil, já que não estava
habituada a uma rotina rígida, mas aos poucos a nova vida me proporcionou mais
segurança íntima, e também, minha imaginação, criatividade expandiram,
porque meu espírito se deleitou naquele lugar onde a natureza vibrante, e
as relações interpessoais me proporcionaram oportunidades únicas de
descobrimento, conhecimento, estímulo para o bem, para o amor, os quais
permanecem vivos até hoje , e sei que nunca desaparecerão! Sou grata por todas
as pessoas com quem convivi, sou grata por todas as situações boas e não tão
agradáveis que me fizeram crescer! Isso é verdadeiramente viver!
Autora: Sueli de Aquino
Facebook: https://www.facebook.com/Suesud
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