NOSSOS PERFIS NAS REDES SOCIAIS, O RELÓGIO E A VIDA.


Estive pensando em um ditado que pudesse abrir nossas reflexões neste texto, não conseguindo pensar em outra frase que não fosse: “Quem não vive o tempo, acaba sem tempo de viver!”

Hoje nossa sociedade é uma sociedade globalizada e hiperconectada, de tal forma que nenhum fato social ocorre sem que instantaneamente seja veiculado pelos canais atuais de comunicação. Isso se acentuou ainda mais com o advento da era das redes sociais, que interligam milhões de pessoas ao redor do mundo. Alguém é assassinado em qualquer parte de nossa cidade, ou um motorista descuidado bate com seu carro e em poucos minutos centenas ou milhares de pessoas estão por dentro do fato, comentando ou mesmo postando fotos dos corpos e da tragédia (um gosto mórbido e sádico, que serve para um excelente campo de pesquisa para a psicanálise). Facebook, Whatsapp e várias outras ferramentas de relacionamentos sociais são os preferidos de todos.

Mas isso nos gera um preço muito alto a ser pago: a perda de tempo e de nossa qualidade de vida.

Quem de nós nunca foi cobrado ou mal interpretado por um “amigo” virtual por termos demorado a responder uma mensagem sua? Quem nunca sofreu uma acusação por ter deixado de ler um simples “oi” e por isso ter sido julgado como “mal educado”?

A excessiva conectividade nos levou a uma maratona diária, onde ao acordarmos precisamos, antes mesmo de levantarmos da cama, espiar nosso “Face”, Whatsapp e e-mail (esse já quase falecido) para vermos se há alguma mensagem ou algo comentado que “precisamos” responder. Assim ao longo do dia, do levantar-se da cama ao deitar-se novamente nela há noite, estamos presos as mensagens, curtidas e postagens de uma rede social que não para de crescer a cada dia.

E vocês poderão me perguntar: “E quem está fora disso, desse mundo virtual”?

Eu direi que a esses, os que estão de fora desse mundo virtual, os nossos especialistas de plantão já nomearam como os “analfabetos virtuais”, os novos analfabetos do século 21, tão descriminados e postos as margens da sociedade quanto aos antigos analfabetos de décadas atrás (que ainda existem em nosso país, graças aos nossos governantes e suas leis ainda capengas).

Então me perguntarão: “Que mal pode haver em nos comunicarmos por essas ferramentas oferecidas pelo avanço tecnológico de nosso tempo?”

Eu responderei que não existe mal algum, somente existindo prejuízos quando fazemos dessas ferramentas prisões que nos tiram a liberdade de vivenciarmos pequenos e únicos momentos de felicidade ao lado de quem amamos.

Para ilustrar, contemos uma pequena história:

Um homem ainda jovem, no auge dos seus quarenta anos, vivia razoavelmente bem, procurando cumprir com todos os seus deveres e ser um bom profissional.

Como um homem de seu tempo, dividia-se entre seu trabalho e o mundo virtual, perfazendo uma rotina diária de aproximadamente 17 horas de trabalho e muitas outras (ele já perdeu as contas) de conectividade com o mundo social virtual.

Durante algum tempo, cansado e entristecido, percebeu que sua convivência com aqueles a quem mais amava e que lhe eram caro em sua vida não lhe era tão satisfatória. Ele queria ter mais tempo, mais oportunidades de estar com essas pessoas, valorizar o tempo e os momentos ao lado delas. Mas, “espera aí, preciso responder essa pessoa no whatssapp, é urgente”.

Ele precisava cuidar um pouco mais de si mesmo, de seus sentimentos que necessitavam serem comunicados a quem amava diretamente, pois estavam ali, a um abraço de distância, mas, “essa pessoa necessita de uma palavra, preciso respondê-la urgentemente”.

Com isso seus amores, sua alegria, seus pequenos prazeres de outrora e sua saúde estavam sendo deixadas de lado, afinal, “esse e-mail a ser respondido é muito importante para meu trabalho”.

Assim, em um dia como outro qualquer, o relógio da vida soou para nosso personagem do século 21, quando, no trabalho ele acabou enfartando.

Socorrido, sabendo por um pequeno descuido da equipe médica, que seu quadro “era fatal”, viu-se em uma cama de UTI, onde do lado esquerdo e do lado direito ele somente podia ver cortinas brancas, e a sua frente uma parede também branca. “Cadê as pessoas que mais amo? Quero tempo para poder me despedir, pois sei que o fim é certo! Como posso morrer agora se deixei de viver um dia de sol no parque ao lado dos meus amores? Como posso morrer agora se não vivenciei a emoção de sentir a chuva a molhar meu corpo enquanto brincava com crianças como se fosse um menininho novamente? Como posso não ter mais tempo para meus livros, meus filmes que a tanto os abandonei em minha estante? Como posso não poder mais andar descalço? pois há muito ando de sapatos, pois é o que me era exigido no trabalho. Como assim, morrer e não ver mais o por do sol na praia?”

Assim, numa noite de UTI, deitado sozinho em uma cama, nosso personagem pensava, olhando para a única coisa que havia para ser vista naquele lugar: um relógio de parede preso a frente de sua cama na UTI.

“Ironia imensa, pensou ele. Eu que nunca tive tempo para mim, agora irei morrer olhando para o senhor do tempo: o relógio!” Refletiu: “Como gostaria de voltar os ponteiros no sentido anti-horário”

Não preciso falar que esse personagem é o autor dessas enfadonhas linhas que lhes escreve. Mas não precisam se assustar, eu não escrevo do mundo dos mortos, mas sim daqui mesmo, do mundo dos vivos, de nossa amada cidade de Valença.

Hoje sei o quanto é importante cada segundo de nossas vidas e o quanto um simples momento pode ficar eternizado e ser tão importante para nossa saúde mental e emocional.

Quem sabe, alguém que leia esse texto, pelo menos vá pensar um pouco mais no quanto de tempo tem dado a si mesmo e no quanto de vida vem vivenciando?

Se isso conseguir fazer com que alguém desse mundo hiperconectado consiga sair da internet por alguns momentos para ver um por do sol, ou brincar com uma criança, já me darei por satisfeito!

Pensem nisso!


Autor: Charles José da Silva – Psicólogo Clínico – CRP: 05/47.134
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