ROTULAÇÃO E MEDICALIZAÇÃO ABUSIVA DE NOSSAS CRIANÇAS
“O disciplinamento médico na sociedade
higienista passa pela fabricação de crianças, futuros homens rijos que, desde a
mais tenra idade, devem ser acompanhados por médicos para que um dia estejam
prontos para oferecer docilmente suas vidas ao país”*.
Há na sociedade contemporânea uma necessidade desastrosa em definir e
rotular o que não se pode nem ser definido nem tampouco rotulado; a
subjetividade de nossas crianças. Numa sociedade imediatista onde nada pode ser
deixado para depois, não se pode perder tempo observando, esperando, permitindo
ou ao menos deixando ser; de jeito algum, há de ser definido agora, não
esperado, não observado, não se permitindo e muito menos se deixando ser.
Curioso observar que o que mais ouvimos da sociedade de uma forma geral
é o quanto se preocupam com o futuro de nossa geração. Será mesmo? O que
desejamos de fato para nossas crianças? Será que estamos comprometidos nessa
missão de orientá-las ou apenas fingindo que nos importamos? Será que já
paramos para ouvir o que de fato eles desejam ou os colocamos numa posição
assujeitada aos nossos valores morais e financeiros? Fica aqui o questionamento.
Esse modelo nos remete à posição
da criança da Época Medieval onde era vista como um adulto miniatura, sem ser
ouvida, sendo desrespeitada na sua condição de sujeito, como sabiamente diz a
psicóloga, psicanalista, mestre em pesquisa e clínica em psicanálise Terezinha
Costa. Nessa época ela era vista como um pequeno adulto, sem características
que o diferenciassem, e desconsiderada como alguém merecedor de cuidados
especiais, relacionando-se muito mais com a comunidade do que com os próprios
pais. E não é disso que se trata? Num discurso arraigado de prepará-los para o
sucesso, acabamos por formar robores “zumbificados”, onde aquele que questiona,
reclama, não aceita ou pensa fora do senso comum logo é rotulado de hiperativo,
com transtornos, mal educado, e tantas
outras definições que possam vir a ser convenientes. E nesse caso, o que fazer?
Que providência tomar? Medicar é lógico. Só que não. Não é disso que se trata,
como diz nosso sábio Psicanalista Jacques Lacan.
“Hoje já podemos
falar em aprendizagem sem necessariamente pensar num modelo único e puramente
de transmissão de saber. Existem diversos modelos e uma vasta forma de
trabalhar a educação, claro que umas que possibilitam mais autonomia e outras
que ainda prendem o sujeito numa alienação, que o impede de ver o mundo com
seus próprios olhos”. (JACQUES LACAN)¹
Há várias
vertentes sobre essa questão, e o que também não podemos deixar de abordar é o
quanto estamos comprometendo toda uma geração, impedindo-as de sonharem, de
idealizarem, de se constituírem enquanto sujeitos. A
situação é tão grave que inspirou a pediatra Maria Aparecida Affonso Moysés,
professora titular do Departamento de Pediatria da Faculdade de Ciências
Médicas (FCM) da Unicamp, a fazer uma declaração bombástica: “A gente corre o risco
de fazer um genocídio do futuro”, disse ela em entrevista ao Portal
Unicamp. “Quem está sendo medicado são as crianças questionadoras, que não se
submetem facilmente às regras, e aquelas que sonham, têm fantasias, utopias e
que ‘viajam’. Com isso, o que está se abortando? São os questionamentos e as
utopias. Só vivemos hoje num mundo diferente de mil anos atrás porque
muita gente questionou, sonhou e lutou por um mundo diferente e pelas utopias.
Estamos dificultando, senão impedindo, a construção de futuros diferentes e
mundos diferentes. E isso é terrível”, diz ela².
Charles José da
Silva, Psicólogo Clínico, Psicanalista, Pós graduando em Teoria e Clínica Psicanalítica,
diz em seu artigo Medicalização do Sofrimento e a Dor Existencial Humana “[...]
medicalizaram-se as crianças, por apresentarem
rebeldias que, até bem pouco tempo tratávamos como ‘coisas de crianças’ e que
hoje demos o status de “doença”. Estamos tornando nossas crianças e suas
infâncias doentes”³.
Posso comprovar o que se diz acima todos os dias em minha clínica, onde
atendendo crianças com demandas das mais diversas, sendo de aprendizagem ou
emocionais, tanto na vertente Psicopedagógica ou Psicanalítica ,defronto-me com
familiares contaminados com o olhar do outro (escola, educadores, amigos,
parentes, profissionais diversos) numa busca inalcançável de perfeição de
conduta dessas crianças que desejam ser ouvidas e que na grande maioria das
vezes os problemas que apresentam são da ordem do emocional. É preciso
investigar a causa e não apenas voltar os olhares para os sintomas, afinal de
contas é essa a proposta da prática Psicopedagógica.
* Artigo: Da higiene
mental à higiene química: contribuições para um comportamento entre a criança
tomada como objeto pelo higienismo e como sujeito de sua verdade pela
psicanálise, 1989, página 179.
Escrito
por: Andréa Pinheiro Bonfante
Psicopedagoga Clínica e Institucional,
Psicanalista de crianças, jovens e adultos, Professora de Letras (Português/
Inglês e Literaturas); Palestrante de Questões Educacionais e Comportamentais
aplicadas ao contexto escolar e Relacionamentos Familiares, Sócia proprietária
da Clínica Vida Plena Consultórios.
Formação: Graduada em
Letras (Português/ Inglês e Literaturas) pela Universidade de Nova Iguaçu-RJ;
Pós- graduada em Psicopedagogia pela Universidade Estácio de Sá; Tradutora e
Intérprete da Língua Inglesa com curso de especialização em estilística, Pós
graduanda em teoria Psicanalítica na Universidade Veiga de Almeida.
Telefones para agendamentos:
(24) 2452-4478 (Vida Plena - Consultórios de Psicologia, Psicanálise e Psicopedagogia Clínica);
(24) 99316-8982 (claro - whatsapp);
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Referências:
COSTA, Terezinha. Psicanálise
com crianças / Terezinha Costa. – Rio de Janeiro: Zahar, 2007
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