SEXUALIDADES: UMA PALAVRA PLURAL, PORÉM SINGULAR NA CLÍNICA PSICANALÍTICA.




Márcia Arán, autora do presente artigo “A psicanálise e o dispositivo diferença sexual”, nos mostra a necessidade de uma discussão mais ampla em relação ao dispositivo diferença sexual no campo dos saberes psicanalíticos. Numa abordagem da psicanálise e seus postulados, bem como dos teóricos desde o próprio Freud aos mais recentes, nos mostra o quanto esse campo do saber tem contribuído para a manutenção do status da sociedade heterossexual e o quanto essa sociedade é voltada para o masculino em detrimento do feminino.

O binômio masculino/feminino, heterossexual/homossexual, normal e patológico são o que caracterizam e simbolizam essa sociedade patriarcal.

Mas uma nova forma de enxergar as diferentes formas de sexuação, as diferentes formas de expressar a própria sexualidade, independentemente do dispositivo diferença sexual, se faz necessário à psicanálise, para que, segundo a autora, possa ser construída uma teoria mais autenticamente preocupada com o indivíduo enquanto membro de uma sociedade, e não apenas como sujeito isolado sexualmente.

Dessa forma, a psicanálise vê e respeita essas diferentes formas de sexualidades e sexuação, desde que nos limites do individual. Mas em contrapartida, procuram se levantar inúmeras vozes de teóricos que tentam apagar essas diferenças quando elas envolvem as mudanças de paradigmas da sociedade heterossexual, como se a homossexualidade fosse uma ameaça a “família” tradicional.

Em uma análise mais aprofundada, pode-se notar que realmente a homossexualidade é mesmo uma ameaça à dita família tradicional, o que não quer dizer que esteja inscrita no campo do “errado”, mas sim no diferente, pois é apenas mais uma entre as diversas formas de expressão dessa mesma família, com todas as suas regras, direitos, deveres, desejos, respeito e, com toda a certeza, amor e afeto.

Os pressupostos teóricos a que se agarraram os teóricos da psicanálise para negarem o papel da diferença das sexualidades, coloca-as no papel de “patologias”, que fogem a norma e se tornam “perversas” ou narcísicas.

Dessa maneira, como acolher o transexual na prática clínica da teoria que, desde Freud, defende a subjetivação do sujeito, de forma única e totalmente individual?

A autora mostra que esses teóricos se agarram aos modelos criados pelo pai da psicanálise (Freud) há 107 anos (data da primeira publicação de “Os Três Ensaios”), para justificarem a identificação com as figuras do pai/mãe que levariam a criança a se inscrever na ordem do fálico/não fálico, do masculino/feminino. Ao se identificar com uma dessas figuras de sua infância primeira, o sujeito estaria orientando-se para uma ou outra sexualidade (leia-se gênero).

Com Jaques Lacan, segundo a autora, isso foi relido e uma nova forma de interpretar Freud e sua teoria ganhou corpo, trocando-se os componentes básicos do Complexo de Édipo, dando as figuras parentais o status de figuras simbólicas, ou seja, o que Lacan chama de função paterna e função materna.

Mas Lacan ainda fica preso à ordem da sociedade que parte de um construto do masculino, deixando de fora o que é da ordem do feminino. Com isso, Lacan privilegia, novamente, tal como seu grande mestre (Freud), o universo do pênis em detrimento do que é a falta do pênis (a mulher).

Essa mulher, segundo Lacan, nem mesmo existe, pois é considerada um ser da falta, expressa pelo desejo de possuir um pênis. Mas o autor deixa a mulher, ao menos, o papel de se identificar com essas funções paternas ou maternas, com isso se inscrevendo na ordem do simbólico, tanto no campo do fálico quanto no campo do não fálico.

Essas releituras e discussões que a autora do presente artigo nos oferece, nos colocam de frente com o que os psicanalistas da atualidade dizem quanto ao casamento homossexual e a adoção de filhos por parte desses casais.

Muitos desses autores colocam, relendo Freud e outros, que as crianças adotadas por um casal homossexual ficariam sem referenciais do sexo oposto para que possa identificar-se de acordo com sua estrutura fisiológica. Dessa forma, alegam que seria desestruturante tal convivência entre crianças adotadas por pais homossexuais. Com isso alegam que a ordem social precisa ser defendida a qualquer custo.

Esses teóricos dizem que subverter a ordem social seria, em uma última análise, condenar a sociedade ao hedonismo dos nazistas, o que, sinceramente, não entendemos, pois assim o fazem esses próprios teóricos ao colocar a margem da sociedade, que dizem defender, toda forma de subjetivação e de expressão dos sujeitos com orientação sexualmente diferentes.

Seria o momento oportuno de perguntarmos a tais teóricos se Sigmund Freud teria o espírito aberto à investigação e as novas formas de sexuação, tal como o fez em sua época?

Lembremos que em vida o insigne pai da psicanálise, modificou diversas vezes suas teorias a respeito da sexualidade, desde seus primeiros escritos sobre tal assunto em 1905, lançados, a público, sobre o título de “Os três ensaios da sexualidade”.

Por fim, a autora aborda o modo de encararmos a nova clínica da transexualidade, onde o sujeito não se sente em consonância entre seu sexo fisiológico e seu gênero. Como compreender tais sujeitos se o próprio Lacan afirma que não precisam de tratamento, pois não estão afetados psicologicamente?

Abrir espaço à novas formas de sexuação é permitir que os indivíduos se tornem sujeitos de fato, construindo uma teoria psicanalítica (ou não) em que se enquadrem as diversas formas de expressão de suas sexualidades, e nunca tentar enfiá-los em uma teoria a força, a fim de que a ordem social não seja alterada, preservando, com isso, o domínio heterossexual e masculino de nossa sociedade patriarcal.

AUTOR:
 
Charles José da Silva – Psicólogo Clínico e Psicanalista – CRP: 05/47.134

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REFERÊNCIAS:
  1. CABRAL, Álvaro & NICK, Eva. Dicionário técnico de psicologia – 14ª edição – São Paulo – Cultrix, 2006;
  2. ÁRAN, Márcia. A psicanálise e o dispositivo diferença sexual – artigo publicado em 2009 na Revista de Estudos Femininos, R.J.

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